4 de junho de 2010

Fui insultado e ameaçado

Entrevista de Augusto Madureira ao Diário de Notícias
De regresso a Lisboa, o autor de Há Dias Assim, canção que conquistou o 18.º lugar em Oslo, relata os momentos de tensão sentidos e vividos entre a comitiva portuguesa no Festival da Eurovisão. Augusto diz que chegou mesmo a sofrer ameaças de agressão por parte do chefe da delegação da RTP.

Augusto Madureira, autor de Há Dias Assim, a canção portuguesa que se classificou em 18.ª lugar no Festival Eurovisão da Canção, no sábado, em Oslo, confessa que houve momentos de tensão e conflito entre ele e o chefe da delegação da RTP [José Poiares]. O também jornalista da SIC, segundo o próprio, chegou mesmo a ser "insultado e ameaçado" pelo responsável da estação pública.
Tudo começou uma semana depois da vitória de Filipa Azevedo, no Campo Pequeno, em Lisboa. "Tivemos encontros preparativos com a RTP. Desde muito cedo, uma das minhas preocupações junto da RTP era como promover externamente a canção, sabendo que a Eurovisão é uma máquina promocional altamente profissionalizada e megalómana. Um pouco... promover o nosso país lá fora. A segunda questão que me preocupava era... como é que a Filipa [Azevedo, intérprete da canção, de 18 anos], um grande talento mas ainda em início de carreira, iria ser preparada para um megapalco e centenas de jornalistas", relembra Augusto Madureira à NTV.
"Muito rapidamente, o chefe da delegação da RTP para o festival disse-me que esses eram assuntos externos que não me diziam respeito e que só iria a Oslo como mero elemento de palco". Augusto recusou-se a assumir esse papel e promoveu a canção Há Dias Assim "às suas custas": financiou um videoclip para a canção; a ida e estada a uma festa pré-Eurovisão, na Holanda; e um remix do tema, "que todos os países fazem das suas canções". "Ao que me foi dito que estava a exceder as minhas funções e fui de novo colocado no meu lugar de elemento de palco. Tentei sempre ser o mais diplomata possível para que houvesse bom ambiente na delegação e engoli muitos sapos. Nunca esperei ser, nem pessoalmente nem como autor, tratado da maneira que fui. A única coisa que devo ter feito mal deve ter sido zelar pela canção que compus e que ia representar o meu país", diz.
Para além disso, "onze dias antes de partirmos para Oslo, a Filipa não tinha feito qualquer ensaio cénico. Não sabia como iria deslocar-se no palco, para além de ainda não ter roupa para a actuação. Eu próprio só experimentei a minha roupa pela primeira vez no hotel, em Oslo. Mas quando chamei à atenção para esses factos que me preocupavam foi-me dito que eu estava muito nervoso e que havia quem soubesse o que estava a fazer. E foi-me dito também que os ensaios serviam precisamente para ver o que se ia fazer. Ora havia 39 países. Eu duvido que algum país tenha chegado ao palco de Oslo sem ter feito o trabalho de casa. Isso mete-me pena", atira Augusto.
Em Oslo, o ambiente entre a comitiva portuguesa azedou. "Toda a gente tentou superar esse ambiente pesado, mas o ambiente não era o melhor porque já tinha havido uma troca de palavras por escrito bastante desagradáveis [entre si e Poiares]. Acontece que, como criei uma relação com a Filipa, pelos meses de trabalho por que passámos, todos os "mas" ou "ses" que a Filipa levantava eram entendidos como sendo o Augusto que estava a levantar problemas. E foi na sequência dessa presunção que eu fiquei boquiaberto quando na véspera do segundo ensaio, em Oslo, o chefe da delegação me ameaça de agressão, em termos que eu me escuso a reproduzir, e se dirige a mim de forma insultuosa, como nunca ninguém me tinha falado e como ninguém merece ser tratado e como o autor de uma canção não merece ser tratado. Isso deixa-me muito triste".
Face a esta ameaça, Augusto ainda relatou o sucedido ao resto da comitiva. "Disseram-me para ter calma e que toda a gente tinha os seus feitios". A NTV sabe, inclusive, que Filipa Azevedo chegou a chorar por duas vezes na sequência das palavras do chefe da comitiva.

Portugal só ganha quando quiser
Augusto Madureira é da opinião que Portugal precisa de repensar a sua estratégia no festival europeu se quer começar a brilhar no certame. "Temos de levar o trabalho de casa muito bem feito e isso este ano não aconteceu. Há que perceber que, se calhar, temos de investir mais na promoção da canção. Ir lá para marcar presença anual e fazer disso parte do calendário televisivo nacional quanto a mim é muito pouco. A Alemanha queria ganhar o festival. Tinha mais de cem elementos creditados, nós éramos 16 pessoas".
O segredo passa também pela promoção. "Fazia ideia de que a Eurovisão era uma marca brutal, uma máquina poderosa financeira e de promoção. Não sei se terá havido mais alguma delegação que tenha chegado a Oslo com ensaios de palco por fazer e roupa por decidir, por exemplo. Portanto, Portugal só pode ganhar a Eurovisão quando quiser ganhar a Eurovisão", frisa o jornalista.
O problema poderá ter que ver com algum preconceito. "Portugal tem vergonha da música ligeira. Há música ligeira boa e má. Somos muito pequeninos, não porque sejamos maus, mas porque pensamos pequeno", conclui.

Toda a gente ficou encantada com a Filipa
Das duas semanas em Oslo são também muito boas recordações que ficam. O apoio dos fãs portugueses - e não só - ficou guardado na memória. "É uma sensação óptima estar no palco e ver uma maré de bandeiras portuguesas na plateia. E nas ruas, ter esse feedback, não só de portugueses, mas também de outras nacionalidades. É muito bom sermos acarinhados pelos outros intérpretes e compositores, com palavras sinceras", confessa o autor de Há Dias Assim. A intérprete portuguesa foi, inclusive, considerada uma das mais bem vestidas desta edição. "Toda a gente ficou encantada com a Filipa, com a personalidade simples e o talento dela", remata Augusto.
A Notícias TV contactou José Poiares, a fim de obter um comentário, que não atendeu o telefone até ao fecho desta edição.

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